(1921-1964)
Autor: Vilma Corrêa Amancio da Silva
Instituição: CEPEMHEd
Os estudos acerca da história do Brasil na primeira metade do século XX conduzem a um questionamento em torno das propostas educacionais elaboradas nesse mesmo período. Nesse período, a nação procurava estabelecer o seu projeto político, redefinindo a própria república, fazendo ampliar a discussão sobre os rumos da educação no país, tornando-se um dos temas mais debatidos entre políticos, intelectuais e educadores. Compreendendo que ainda, não havia concebido uma nação organizada no Brasil, intelectuais e educadores indicavam que a construção de uma consciência nacional era uma tarefa fundamental a ser realizada.
Nos anos 20, na esperança de democratizar e transformar a sociedade por meio da escola, através de propostas como a renovação das técnicas de ensino, surgiram experiências escolares com uma “nova pedagogia”, nos moldes dos ideais escolanovistas, que obtiveram ampla repercussão nas reformas propostas em vários Estados do país. Dentro do contexto de construção de uma consciência nacional, tendo como foco a educação regional e popular foi criada a Escola Proletária de Merity, posteriormente denominada, Escola Regional de Merity.
Segundo Nunes (2003), “as escolas também são celeiros de memórias, espaços nos quais se tece parte da memória social”. A importância de revelar a “memória” dessa instituição reside no fato de representar para a história da educação brasileira, o início de uma prática inovadora nos anos 20, fundamentada nos ideais e princípios escolanovistas, em que até os dias atuais servem de parâmetros para a construção das práticas pedagógicas empregadas em nossas escolas.
A proposta pedagógica da Escola Regional de Meriti alinhava-se diretamente com a pedagogia da Escola Nova que, redefiniu a natureza infantil, valorizando este ser, levando em consideração o conhecimento por ele produzido a partir das teorias e práticas educacionais concebidas através dos ideais pedagógicos de intelectuais como Pestalozzi, Montessori, Dewey. Focados em sua proposta educacional, a instituição através de seu trabalho “traduziu um novo olhar para a criança num momento de valorização social da criança”.(MIGNOT, 2000).
Fundada em 13 de fevereiro de 1921 na Vila Meriti, pela Professora Armanda Álvaro Alberto, obedecendo aos métodos montessorianos, mereceu elogios dos mais eminentes educadores e intelectuais do país: Heitor Lyra, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Roquete Pinto, Julia Lopes, Paschoal Leme, Anísio Teixeira, Belisário Penna, etc. A Escola não surgiu de um projeto programático, com estatutos e obrigações a serem seguidas. Em 1924 passou a se chamar Escola Regional de Meriti, anos depois, em 1964, recebeu o nome de Escola Dr. Álvaro Alberto.
A conhecida Mate com Angu, Escola Regional de Meriti foi pioneira em conceder merenda escolar aos alunos. As crianças, ao chegarem pela manhã, encontravam o tabuleiro de angu doce e o latão de mate, para que se alimentassem. Esta iniciativa responsável pelo apelido que a Escola traz até hoje, a “Mate com Angu”.
Mudanças de nome da escola ocorreram desde sua fundação, porém o princípio e a finalidade pedagógica não se alterou: o regionalismo. Trabalhar com o ensino regional não significou que, o trabalho se restringisse apenas às questões e temas relacionados à realidade de vida das crianças da Vila Meriti. O regionalismo era apenas o ponto de partida, cabia à escola educar, despertar o interesse sobre outras realidades “aparentemente” distantes. O intuito dos idealizadores do projeto foi o de construir uma Escola Regional de Educação Real, isto é, uma educação que não seguisse modelos ou padrões pré-estabelecidos, mas que respeitasse a especificidade da região e de seus moradores incorporando os preceitos da educação popular e regional. Desde o início da fundação da escola foi criada a Biblioteca Euclides da Cunha e o Museu Regional. Biblioteca essa que, foi a única na região até 1968. Com o objetivo de levar à população o conhecimento mais científico sobre a região, no que se referia aos aspectos geográficos, políticos, sociais, culturais, educacionais e de saúde, foi criado o Museu Regional. O Museu possuía material “zoológico” (insetos, carcaça de animais e animais empalhados); “colleção didactica de botânica, obtida no Jardim Botânico”; “colleção ethnographica”-miniatura de louça de Portugal, entre outros, todos doados pelos amigos e colaboradores da escola, e com as contribuições trazidas pelos próprios alunos, com espécimes da natureza da região. Na visão dos educadores, o trabalho articularia os três órgãos necessários à regionalização do ensino: a escola, a biblioteca e o museu.
Dentro da organização da escola o ensino primário, da 1ª. a 4ª. série do primeiro grau, tinha em todas as suas atividades um direcionamento específico respeitando e atendendo as necessidades da região, assim como as de seus moradores. Concebia, dentro da organização pedagógica, o processo de aprendizagem individual, de acordo com o desenvolvimento de cada aluno, onde estes eram levados a aprender fazendo. A proposta levava em conta as atividades cotidianas que tinham como objetivo a aprendizagem e participação, estimulando hábitos de colaboração, companheirismo, solidariedade, cooperativismo dos alunos nos trabalhos da escola. Quanto ao método de aprendizagem, dentro da nova concepção de ensino, a escola empregou o método intuitivo como um instrumento capaz de reverter à ineficiência escolar, servindo de amparo pedagógico nas matérias aplicadas, assim como no emprego do ensino regional e popular proposto.
Palavras como “Saúde”, “Alegria”, “Trabalho” e “Solidariedade” sintetizavam os princípios pedagógicos que norteavam as propostas postas e ficavam afixados na parede da escola. Todas as tarefas da escolas eram realizadas pelos alunos, que eram organizados em comissões (da jardinagem, limpeza sala de aula, etc.), e os componentes dessas comissões eram votados pelos próprios alunos.
Em suas ações sociais e pedagógicas, utilizados como estratégia para os enfrentamentos e dificuldades que a escola vivenciava desde a fundação, prestava serviços de atendimento médico, odontológico, vacinação, orientações e noções de higiene, não só aos alunos, como também as famílias. Foi criado, em 1923 o “Circulo de Mães”, onde estas aprendiam bordado, costura, cestaria, noções de economia doméstica, puericultura, etc. O concurso “Janelas Floridas” tinha como intenção de levar noções de higiene e saúde a toda comunidade.
Ciente dos problemas específicos da comunidade, a diretora utilizou como base fundamental de seu trabalho educativo o ensino dos trabalhos manuais direcionados à realidade social, cultural, econômica da região. Um dos objetivos da diretora era que os alunos aprendessem uma atividade a partir das aulas de trabalhos manuais. Partindo do pressuposto de que esta disciplina além de auxiliar no sustento dos alunos e de suas famílias, através da venda dos produtos confeccionados, pudesse evitar a evasão escolar. Além dos alunos, a comunidade também poderia participar das aulas ou na produção de produtos como “tapetes de aniagem tecidos a mão, objetos de bucha, contas, etc.”. Os objetos eram alocados em exposições, em seguida vendidos. A escola retirava 20% sobre o lucro e o restante, 80%, cabia aos produtores.(ÁLVARO ALBERTO, 1968:37)
Muitas foram as atividades “progressistas” para época, a Regional de Meriti virou modelo de inovação e incentivo as demais escolas de ensino regional e popular que surgiram. Sendo considerada por Lourenço Filho “a mais completa experiência de educação renovada”, no ensino primário particular, “pela intenção socializadora”, pelos procedimentos didáticos e metodológicos escolanovistas.